sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Encontro com a cidade


C. L. C.


Encontro com a Cidade

Quem nunca se sentiu atraído pela cidade? Especialmente quem vive no campo.
Aquele gigante, de veias labirínticas e artérias largas, por onde a vida flui, atrai-
nos para o seu interior, fazendo-nos interagir na sua permanente digestão.
Caí na cidade, como quem cai de paraquedas em terreno desconhecido, tudo á minha volta, fascina-me, atrai-me num rodopio de cores que me fazem lembrar o arco íris. Tudo, na cidade, funciona a uma velocidade estonteante. Ruídos que se misturam em
unissono com sussurros humanos. O chiar dos ferros, a borracha a esfregar o alcatrão,
as buzinas em surdina, abafam as vozes gritantes, para se fazerem entender, das pessoas que passam num ritmo acelerado. Odores intensos, acres, misturam-se-me nas narinas causando-me um ligeiro sufoco e um lacrimejar nos olhos, fazendo-me perder, por vezes, o sentido de orientação.
Proponho-me a atravessar a avenida, mas o vento quente e sufocante, provocado pela
velocidade e escapes dos carros, esbofeteia-me, empurrando-me para trás. Opto, então, por percorrer a avenida em direcção ao hotel, olhando a tudo á minha volta, as luzes,
os néons publicitários, as fachadas das casas centenárias envoltas por um nevoeiro
artificial que se instalou na cidade.
Uma multidão de rostos, cansados, com olhares distantes, hipnóticos, sobem e descem
a avenida num caminhar rápido e sem nexo percorrendo todo aquele labirinto que é a
cidade.
Mais á frente, neste meu caminhar deslumbrado, deparo-me com dois corpos que jagem inertes deitados num colchão roto pelo uso, passava gente e mais gente e nada.
O surrealismo da cena tornava invisível o quadro. Ao deparar-me com esta imagem
veio-me á mente uma citação de Eça de Queiroz em a cidade e as serras “ Os sentimen-
tos mais genuinamente humanos logo na cidade se desumanizam “
A noite chegou, num abraço cinzento, envolvendo o dia artificial que se me deparava.
Sentia-me, cansado, não fisicamente mas moralmente, pois estava a cair em mim, via agora, claramente, que a ideia que tinha da cidade estava a tornar-se numa desilusão,
numa absorção de sentimentos negativos, onde tudo parece mas não é. Continuei, mais
rostos sedentos de chegada, cruzavam-se comigo, com olhares longínquos, apáticos,
cansados pelo longo dia de movimentos dispersos, cujo o único objectivo é a sua chegada ao porto de abrigo, ao descanso do guerreiro, porque viver, hoje, numa cidade é
sinónimo de uma luta constante pela sobrevivência. Sentia-me sozinho entre gente.
Estava-me a tornar em mais um rosto entre os rostos quando, de repente, fui assediado
por ofertas de prazer em circunstancias desumanas, ali, no centro da avenida, cheia de
néons e hotéis de luxo. Aqui como dizia o nosso Eça em a cidade e as serras “ O homem
pensa ter na cidade a base de toda a sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua
miséria.”
A cidade não dorme simplesmente passa pelas brasas, o tempo é o seu denominador
comum, o relógio um ditador.
As pessoas vivem numa liberdade ilusória, condicionadas por uma utopia de riquezas
materiais, onde o dinheiro se sobrepõe ao seu bem estar físico e moral.
O ruído das sirenes dos carros da policia fizeram-me aperceber da insegurança em que me encontrava, apressei o passo em direcção ao hotel, desejando que a noite passa-se rápida para voltar á minha terra no Alentejo, onde o tempo passa devagar, onde o relógio é quase um mero instrumento de adorno, onde as pessoas não são só rostos,
onde o dinheiro importa mas não domina.
A cidade tem toda uma panóplia de atracções, hipnotiza-nos com toda a sua cultura
e história. Mas só o campo nos humaniza.






José Bravo Rosa